A VIOLÊNCIA DAS HORAS

•23/11/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

Salvador Dali

Todos estão mortos.

Morreu dona Antônia, a rouca, que fazia pão barato no burgo.

Morreu o padre Santiago, a quem prazia que o saudassem os jovens e as moças, respondendo-lhes indistintamente: “Bom dia, José! Bom dia, Maria!”

 

Morreu aquela jovem loura, Carlota, deixando um filhinho de poucos meses, que logo também morreu, oito dias depois da mãe.

 

Morreu minha tia Albina, que costumava cantar tempos e modos de herança, enquanto cosia pelos corredores, para Isidora, a criada de ofício, a honradíssima mulher.

 

Morreu um velho torto, seu nome nem lembro, mas dormia ao sol da manhã, sentado à porta do amolador da esquina.

 

Morreu Rayo, o cão de minha altura, ferido de uma bala perdida.

 

Morreu Lucas, meu cunhado na paz das cinturas, de quem me lembro quando chove e não resta ninguém em minha experiência.

 

Morreu em meu revólver minha mãe, em meu punho minha irmã e meu irmão em minha víscera sangrenta, os três ligados por um gênero triste de tristeza, no mês de Agosto de anos sucessivos.

 

Morreu o músico Méndez, alto e sempre bêbedo, que solfejava em seu clarinete toadas melancólicas, a cujo modulado adormeciam as galinhas de meu bairro, muito antes que o sol se fosse.

 

Morreu minha eternidade e a estou velando.

by

Cesar Vallejo

(Trad.Antonio Miranda)

Prefácio de um grande poema

•02/06/2012 • 2 Comentários

 

 

 

(…)

Sim, tu partes. Na minha idade já não se dá importância a uma separação, mesmo que definitiva. Eu bem sei que os seres que amamos e que nos amam mais se vão separando insensivelmente de nós a cada momento que passa. É também deste modo que se vão separando de si próprios. Estás sentado sobre essa pedra e julgas-te ainda aí, mas o teu ser, voltado para o futuro, não adere mais ao que foi a tua vida, e a tua ausência já começou. É certo que compreendo que tudo isto é ilusão, como o resto, e que o futuro não existe. Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando.

by

Margherite Yourcenar,

do livro “O tempo esse grande escultor”

Amor

•28/05/2012 • Deixe um comentário


"Amparai-me com perfumes, confortai-me com maçãs
que estou ferida de amor..."

				Cântico dos Cânticos

Tratem-me com a massa 
de que são feitos os óleos 
p'ra que descanse, oh mães

Tragam as vossas mãos, oh mães, 
untadas de esquecimento

E deixem que elas deslizem 
pelo corpo, devagar

Dói muito, oh mães

É de mim que vem o grito.

Aspirei o cheiro da canela 
e não morri, oh mães.

Escorreu-me pelos lábios o sangue do mirangolo
e não morri, oh mães. 
De lábios gretados não morri

Encostei à casca rugosa do baobabe
a fina pele do meu peito
dessas feridas fundas não morri, oh mães.

Venham, oh mães, amparar-me nesta hora 
Morro porque estou ferida de amor. 

by 
Paula Tavares

Poética do devaneio

•24/05/2012 • Deixe um comentário

Quem vive para a poesia deve ler tudo. Quantas vezes, de uma simples brochura, jorrou para mim a luz de uma imagem nova! Quando aceitamos ser animados por imagens novas, descobrimos irisações nas imagens dos velhos livros. As idades poéticas unem-se numa memória viva. A nova idade desperta a antiga. A antiga vem reviver na nova. Nunca a poesia é tão uma como quando se diversifica.  Que benefícios nos proporcionam os novos livros! Gostaria que cada dia me caíssem do céu, a cântaros, os livros que exprimem a juventude das imagens. Esse desejo é natural. Esse prodígio, fácil. Pois lá em cima, no céu, não será o paraíso uma imensa biblioteca?  Mas não basta receber, é preciso acolher. É preciso, dizem em uníssono o pedagogo e a dieteticista, “assimilar”. Para isso, somos aconselhados a não ler com demasiada rapidez e a cuidar para não engolir trechos excessivamente grandes. Dividam, dizem-nos, cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem necessárias para melhor resolve-las. Sim, mastiguem bem, bebam em pequenos goles, saboreiem versos por verso os poemas. Todos esses preceitos são belos e bons. Mas um princípio os comanda. Antes de mais nada, é necessário um bom desejo de comer , de beber e de ler. É preciso ler muito, ler mais, ler sempre.  Assim, já de manhã, diante dos livros acumulados sobre a mesa, faço ao deus da leitura a minha prece de leitor voraz: “A fome nossa de cada dia nos daí hoje…”   .

by

Gaston Bachelard. (A Poética do Devaneio)

De manha você sempre volta

•24/05/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

 


A fresta da madrugada
respira pela tua boca
ao fundo das ruas desertas.
Luz gris os teus olhos,
doces gotas da madrugada
nas colinas escuras.
O teu passo e o teu hálito
como o vento da madrugada
submergem as casas.
A cidade arrepia-se,
exalam cheiro as pedras ¿
és a vida, o despertar.

Estrela perdida
na luz da madrugada,
brisa que zune,
calidez, hálito –
a noite chegou ao fim.

És a luz e a manhã.

by
(Cesare Pavese)

O pavão

•08/05/2012 • Deixe um comentário

Kandinsky

             

Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d’água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade. Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

by

Rubem Braga

Composição escrita em um exemplar da gesta de Beowulf

•02/05/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

 

 

 

Às vezes me pergunto que razões

Me movem a estudar sem esperança

De precisão, enquanto a noite avança,

Esta língua dos ásperos saxões.

Já gasta pelos anos a memória

Deixa cair a em vão e repetida

Palavra ,e assim é como minha vida

Tece e destece sua cansada história.

Será (me digo) que de um suficiente

E mais secreto modo a alma sabe

Que é imortal e que seu vasto e grave Círculo tudo abarca onipotente.

Para além deste afã e deste verso

Me espera inesgotável o universo.

By

Jorge L.Borges

Noturno

•27/04/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Minhas noites sao emolduradas por uma janela

E nas paredes ,

branca, tua imagem aquarelada tinge  a memória,

Teu retrato -um escudo contra o tempo –

quem sabe pode ser ontem,

e eu nao sou eu,

tu não és tu.

Nao acordamos da ultima noite.

Estamos escritos e inscritos nos livros  de estórias que deus inventou

Alguém nos lê ,

por isso isso existimos,

até a última página.

by

Anna Montenegro

Se um dia a juventude voltasse

•23/04/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Se um dia a juventude voltasse

na pele das serpentes atravessaria toda a memória

com a língua em teus cabelos dormiria no sossego

da noite transformada em pássaro de lume cortante

como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

 

sulcaria com as unhas o medo de te perder… eu

veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza

apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras

porque só aquele que nada possui e tudo partilhou

pode devassar a noite doutros corpos inocentes

sem se ferir no esplendor breve do amor

 

depois… mudaria de nome de casa de cidade de rio

de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos

mas aconteça o que tem de acontecer

não estou triste não tenho projectos nem ambições

guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos

espalho a saliva das visões pela demorada noite

onde deambula a melancolia lunar do corpo

 

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim

com suas raízes de escamas em forma de coração

e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido

pegaria sem hesitações no leme do frágil barco… eu

humilde e cansado piloto

que só de te sonhar me morro de aflição

 

by

Al Berto

 

 

 

“Rumor dos Fogos” Assirio & Alvim, 1983

A tua morte ( in memorian )

•15/04/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

 

 

 

A tua morte é sempre nova em mim.

Não amadurece. Não tem fim.

Se ergo os olhos dum livro, de repente tu morreste.

Acordo, e tu morreste.

Sempre, cada dia, cada instante, a tua morte é nova em mim,

sempre impossível.

by
Adolfo Casais Monteiro

Sobre um poema

•14/04/2012 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

 

 

Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne,

sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

as raízes minúsculas do sol.

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio,

as sementes à beira do vento, – a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as órbitas, a face amorfa das paredes,

a miséria dos minutos,

a força sustida das coisas, a redonda e livre harmonia do mundo.

– Em baixo o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério. –

E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

by

Herberto Helder

Canto VII

•08/04/2012 • Deixe um comentário

Kandinsky

E vem essa voz às maos,fazendo eco, abrindo o peito

 E vem da noite esse cheiro de poema molhado,

nao sei se das negras águas  do oceano,

ou dos meus olhos  que vao chorando,

memória , história, advento , passado..

Teu corpo está  perdido para sempre,

a alma liberta,

e no solo em que já nao pisas,

o  caminho é cego.

 

Eu sei que o poema está dormindo para sempre.Como tu.

Na largueza da noite rutilam  estrelas, frutos secos do tempo.

by

Anna Montenegro

Os três mal-amados

•07/04/2012 • Deixe um comentário

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

by

João Cabral de Melo Neto

Canção de homens e mulheres lamentáveis

•31/01/2012 • Deixe um comentário



Art Collage by Studio Pashnada


Esta noite… esta chuva… estas reticências. Sei lá.

Quem seria capaz de abrir o peito e mostrar a ferida? De dizer o nome? De lembrar, sequer lembrar, o rosto?

Quem seria capaz de contar a história? De chamar o maior amigo, ou melhor, o inimigo, e dizer:

— Estou me sentindo assim, assim, assim…

A humanidade está necessitando, urgentemente, de afeto e milagre. Mas não sabe onde estão as mãos, nem os deuses. E, quando souber, vai achar que as mãos e os deuses são de mentira. Os olhos de todos estarão cheios de medo, os olhos das jovens raparigas, os olhos, os braços, o ventre e as pernas das jovens raparigas, receosos de pagar com os quefazeres do sexo.

Nesta noite, com esta chuva, as jovens raparigas não são importantes. Apenas uma tem importância. Mas quem seria de todo livre e descuidado, a ponto de dizer o seu nome? De pensar o seu nome? Você diria em público o nome da Amada? E suportaria ouvi-lo? Não, não; o nome dela, em sua boca ou na dos outros, é tão proibido como sua nudez (dela). Não há diferença.

E por que você não se transforma no homem banal, que se encharca de álcool, para apregoar a desdita? Seria mais fácil. Talvez alguém lhe chamasse de porco e você revidasse com um soco no rosto, um só rosto, de todo o Gênero Humano. Viria a polícia, que simplifica tudo, generalizando. E tudo se transformaria em notícia: “Preso o alcoólatra, quando injuriava e agredia a Família Brasileira, na pessoa de um sócio do Country”.

Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas. Qualquer das escolhas seria desprezível. Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém. A morte, mesmo em combate, é burlesca.

Uma pergunta, que não tem nada a ver com o corpo desta canção. Quem saberia discriminar o ódio do amor? Ninguém. Os psicologistas e analistas têm perdido um tempo enorme.

Ontem à noite, voltando para casa, senti-me espectador de mim mesmo. E confesso que, pela primeira vez, não achei a menor graça. Saíra, pela primeira vez, de óculos e o porteiro do edifício me recebeu com esta agradável pergunta:

— Que é que houve? O senhor está mais velho?

Tirei os óculos e, fitando-o, esperei as desculpas. Mas o homem continuou:

— O que é que houve? De ontem para cá, o senhor envelheceu.

Tinha pensado que, sem os óculos…

Não estou escrevendo para ninguém gostar ou, ao menos, entender. Estou escrevendo, simplesmente, e isto me supre: contrabalança, quando nada. Esta noite, esta chuva — e poderia escrever as coisas mais alegres, esta noite. Neruda, coitado, as mais tristes.

Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida.

by

Antonio Maria

O passo do adeus

•21/01/2012 • Deixe um comentário

 

J.Bosch, in O Jardim das delícias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Amor, hoje teu nome

a meus lábios escapou

como ao pé o último degrau…

 

Espalhou-se a água da vida

e toda a longa escada

é para recomeçar.

 

Desbaratei-te, amor, com palavras.

 

Escuro mel que cheiras

nos diáfanos vasos

sob mil e seiscentos anos de lava ___

 

Hei-de reconhecer-te pelo imortal silêncio.

 

by

Cristina Campo, in O Passo do Adeus

 

 

Os números de 2011 ´- Uma bela surpresa do WordPress!!

•01/01/2012 • Deixe um comentário

Os duendes de estatísticas do WordPress.com prepararam um relatório para o ano de 2011 deste blog.

 

Aqui está um resumo:

A sala de concertos da Ópera de Sydney tem uma capacidade de 2.700 pessoas. Este blog foi visitado cerca de 11.000 vezes em 2011. Se fosse a sala de concertos, eram precisos 4 concertos egostados para sentar essas pessoas todas.

Clique aqui para ver o relatório completo

Fim do mundo

•20/11/2011 • Deixe um comentário

 

 

 

 

 

Teus são meus olhos baços e
As elegias de meus cansaços

Atravessas minhas noites como um verso
como o vento que corre no campo
e lamenta os carvalhos

Curvam-se os sonhos
E  chaves secretas trancam minha alma para sempre.
aproxima-se a ultima estrela e
Tu te moves dentro de mim,
Imortal fantasma,
a compartilhar o buraco fundo,
onde acaba o mundo.

by

Anna Montenegro

Ontem

•13/11/2011 • Deixe um comentário

 

Na minha silenciosa batalha contra o nada, te encontro.
Sons distantes da noite te embalam
Em minha alma que balouça platônica e suspensa
Como a lua minguante de ontem.

Te encontro nessa paisagem baldia
Quando os cães ladram,
Nao dei se de temor ou nostalgia.

Decifram-te noturnos cansaços
e o generoso flanco da noite
te acolhe inteiro
e perdido

Comove-me tua figura desfeita
de teu ultimo dia
cruzando nossa manhã
trazendo as folhas secas.

Diante desses tantos dias
Abre-se a morte
finda-se a vida
Um gemido soou nas profundezas
e um eco do que fomos
acorda o ar.

by
Anna Montenegro

Canto

•10/09/2011 • 1 Comentário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O que doi é saber  que nao veremos as gaivotas sobre o mar,
Nem teremos os olhos ofuscados pela brancura das ondas que te trouxeram
e hoje te levam para o improvavel sonho da eternidade.
E assim se  desmancha a tarde opaca entre a saudade e a amargura
O céu se despe de azul e empurra as horas frias
Tu te  aderes  a minha pele
Reverberando  o calor antigo
E eu peço aos deuses, ao menos, o teu fantasma,
para nao enlouquecer ante tuas cinzas.

by

Anna Montenegro

Brisa Marinha

•19/07/2011 • Deixe um comentário

 

Jackson Pollock, in The Tea Cup

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus
                                              [ imensos.
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Impede o coração  de submergir no mar
Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio,
Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.
Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,
Ergue a âncora em prol das mais estranhas
                                              [ plagas!

Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!
E é possível que os mastros, entre ondas más,
Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem
                                              [ mas-
Tros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar…
Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do
                                              [ mar!

 

by

 

Stéphane Mallarmé

(Traduçao: Augusto de Campos)